Profissionais de saúde e organizações da área da saúde devem adotar uma postura mais rigorosa em relação ao marketing antiético realizado pela indústria farmacêutica, responsabilizando as empresas infratoras e apoiando regulamentações mais rígidas, conforme apontam os autores de um novo estudo publicado no British Medical Journal (BMJ).
A pesquisa, conduzida pelo Dr. Piotr Ozieranski da Universidade de Bath e pelo Dr. Shai Mulinari da Universidade de Lund, na Suécia, destaca a necessidade de fortalecer as normas relacionadas à promoção de medicamentos pelos fabricantes. Essas ações poderiam melhorar a saúde e a segurança dos pacientes, assegurar um uso eficiente dos recursos públicos e aumentar a confiança nos sistemas de saúde de maneira mais ampla.
Em muitos países europeus, bem como no Japão, Canadá e Austrália, a regulamentação das práticas de marketing farmacêutico depende em grande parte da autorregulação da indústria, na qual grupos comerciais do setor são responsáveis por estabelecer e fiscalizar as regras de conduta adequada. Entre essas normas, destaca-se o Código de Prática da Associação da Indústria Farmacêutica Britânica (ABPI).
O estudo do BMJ argumenta que deixar a autorregulação nas mãos da indústria não é uma abordagem sustentável. Um exemplo recente citado é o da empresa farmacêutica dinamarquesa Novo Nordisk, que em março de 2023 foi suspensa da ABPI por violações graves do seu Código de Prática, após um escândalo amplamente divulgado relacionado à promoção antiética do seu medicamento anti-obesidade, o Saxenda.
A reclamação que levou à suspensão argumentou que a Novo Nordisk havia financiado cursos para profissionais de saúde sobre o uso do seu medicamento para gerenciamento de peso, sem deixar claro o envolvimento da empresa. O estudo do BMJ destaca como a empresa "coordenou uma campanha promocional em larga escala do Saxenda, minimizando os efeitos colaterais do medicamento".
Embora a Novo Nordisk tenha sido suspensa da ABPI por dois anos e tenha perdido alguns benefícios de associação, ela ainda está sujeita à autorregulação e pode continuar vendendo seus produtos no Reino Unido.
A suspensão da Novo Nordisk seguiu o caso da empresa japonesa Astellas, que foi suspensa da ABPI por um ano em 2016. Nesse caso, a empresa foi suspensa, entre outras coisas, por promover seu medicamento para câncer de próstata, o Xtandi, para um grupo maior de pacientes do que o aprovado na época pelo regulador de medicamentos, o que poderia ter colocado em risco a segurança dos pacientes.
Os pesquisadores argumentam que é necessário desenvolver programas de treinamento para capacitar os profissionais de saúde a reconhecer e reagir a práticas de marketing duvidosas. Além disso, eles pedem por políticas setoriais mais rigorosas em relação às colaborações entre a indústria farmacêutica e entidades de saúde, como o NHS England (Serviço Nacional de Saúde da Inglaterra) e a Charity Commission (Comissão de Caridade).
O Dr. Mulinari sugere que a Suécia pode servir como exemplo do impacto de regras mais rigorosas na indústria. Em 2014, o grupo comercial da indústria farmacêutica da Suécia proibiu ativamente as empresas de pagar despesas de viagem e acomodação de médicos e sua participação em conferências médicas, uma prática que ainda é permitida no Reino Unido.
Embora a substituição completa da autorregulação por um novo sistema regulatório estatal seja difícil de conceber, os pesquisadores enfatizam a necessidade de uma abordagem mais profunda e punitiva para lidar com comportamentos antiéticos corporativos, incluindo investigações sobre se a má conduta conhecida indica problemas mais amplos e maior apoio à denúncia de irregularidades.
Os pesquisadores exortam os profissionais de saúde e as organizações responsáveis pelo sistema de saúde a pressionar os formuladores de políticas para deixar claro que a má conduta corporativa não será mais tolerada. Eles esperam que sua análise contribua para a consulta planejada pelo governo do Reino Unido sobre a autorregulação das empresas farmacêuticas, incluindo a transparência de seus vínculos financeiros com profissionais de saúde e organizações.
Fonte
University of Bath. (2023, September 19). Self-regulation of pharma industry marketing is unsustainable and failing patients, according to new analysis. Medical Xpress. https://medicalxpress.com/news/2023-09-self-regulation-pharma-industry-unsustainable-patients.html
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